sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Construtora Terracota é condenada a indenizar consumidores

Em brilhante sentença, proferida em 19/09/2013 no Fórum de Santana, a construtora Terracota foi condenada a indenizar consumidores por atraso injustificado na entrega do imóvel.


"Vistos. T. H. B. S. e T. A. L. D. S., ambos qualificados nos autos, ajuizaram ação de indenização por danos morais e materiais cumulada com antecipação dos efeitos da tutela, em face de Terracota Empreendimentos Imobiliários LTDA, pessoa jurídica, outrossim, qualificada e representada.

Aduzem, em síntese, que, em 21 de abril de 2011, foi celebrado com a ré, negócio jurídico contratual de promessa de compra e venda de um imóvel, instrumento no qual estaria estipulada, expressamente, a entrega das chaves até setembro de 2011.

Afirmam, contudo, que, mesmo após a liberação do “habite-se” pela prefeitura, a requerida não procedeu à entrega do imóvel como convencionado. Neste contexto, observam que a cláusula de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias para a entrega seria manifestamente abusiva, afetando o sinalagma contratual. Além disso, argumentam que, a partir do atraso na conclusão do empreendimento imobiliário, seria inexigível a correção do saldo devedor residual pelo INCC/FGV, indicando como critério de reposição do valor real da moeda, o IGP-M.

Ademais, asseveram que a mora na entrega, de um lado, teria ensejado danos morais, tendo em vista a aludida precariedade de condições de vida a que se sujeitaram, motivo pelo qual requerem a condenação da ré no montante de R$15.000,00, para cada um dos suplicantes. De outro lado, propugnam por indenização na seara dos danos materiais, a título de lucros cessantes, que avaliam no patamar de 1% mensal sobre o valor atualizado do imóvel, a partir da data do atraso. Outrossim, requerem o afastamento da correção do saldo devedor pelo INCC após o decurso do prazo para a entrega das chaves, requerendo, em antecipação de tutela, a suspensão desta correção e a entrega das chaves. Com a exordial, anexaram documentos (fls. 17/52), em especial o instrumento contratual (fls. 20/26). 

Remetidos os autos à conclusão, foram deferidos parcialmente os efeitos da tutela, no que tange ao critério de correção do saldo devedor, conforme se depreende da leitura da decisão interlocutória proferida a fls. 55/57.

Efetuada, então, a citação da ré (fl. 67), esta ofereceu contestação (fls. 69/77), arguindo, em sede de preliminar ao mérito, a ilegitimidade da co-autora T. A. L. D. S., por não ter figurado, em tese, como compromissária compradora. Na referida oportunidade, esclarece, por um lado, que (i.) a conclusão da obra foi programada efetivamente para setembro de 2011; (ii.) a correção do saldo pelo INCC se daria no período de 21 de abril de 2011 a 16 de julho de 2012, data do habite-se e do encerramento da obra, momento a partir do qual seria aplicada a correção pelo índice IGPM, bem como juros de 1% ao mês; (iii.) a especificação do condomínio se deu em 03 de setembro de 2012; (iv.) o prazo final para o pagamento do saldo de R$105.000,00 seria o dia 03 de novembro de 2012.

Desta forma, argumenta que o retardamento aduzido na inicial quanto à entrega teria como causa eficiente fato exclusivo dos autores, na medida em que, se tivessem pago integralmente o saldo que lhes competia adimplir, poderiam ter ocupado o imóvel a partir do dia 17 de julho de 2012.

Por prejudicialidade lógica determinativa, inexistiria dano a ser reparado, seja moral, seja material. Admite, por outro lado, que superou em três meses o prazo previsto para a conclusão das obras, já incluída a carência de 180 dias, inexistindo, assim, pretensão resistida, no que se refere à correção do índice INCC entre 01 de abril de 2012 e 16 de julho e 2012.

Com a contestação, anexou documentos (fls. 80/244) e, embora mencione reconvenção (fl. 76), não a apresenta, conforme certificado pelo cartório (fl. 262). Após, interpõe agravo retido (fls. 246/254), irresignando-se diante de decisão interlocutória, que acolheu parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela. Neste recurso, afirma, em síntese, que, embora a conclusão da obra tenha ocorrido em 16 de julho de 2012, após o prazo previsto, que seria o dia 30 de março de 2012, não se justificaria a suspensão dos
reajustes a partir daquela data, quando os agravados poderiam ter ingressado no imóvel, desde que o quitassem. Nesta linha, sustentam que o congelamento da correção monetária deveria ser limitado apenas
ao período de 01 de abril de 2012 a 17 de julho de 2012.

Em sede de réplica (fls. 250/254), os autores reiteraram sua argumentação inicial, refutaram a preliminar de ilegitimidade ativa apresentada pela ré, propugnando, outrossim, pela antecipação de tutela, para o depósito das chaves em juízo.

Designada audiência preliminar (fls. 255/256), a conciliação restou infrutífera (fl. 258). Após, foi requerida pela ré a produção de prova oral, consistente em depoimento dos autores, oitiva de testemunhas, bem como juntada de novos documentos (fl. 259). À fls. 261, foi indeferido o pedido de antecipação de tutela, mantendo-se a decisão objeto de agravo retido.

Saneado o processo, com a fixação correlata dos pontos controvertidos da demanda (fls. 264/265), deferiu-se a produção de prova oral. Posteriormente, conforme se depreende a fls. 270/277, houve a juntada de documentos novos pela ré.

Finalmente, em audiência de instrução e julgamento (fls. 286/295), (i.) foi dada ciência ao patrono dos autores quanto aos documentos juntados pela requerida a fls. 270/277, bem como à requerida quanto aos documentos juntados pelos autores (fls. 296/342); (ii.) os autores reiteraram o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, nomeadamente, à luz da prova de fatos novos; (iii.) não se logrou êxito na tentativa de conciliação; (iv.) foi colhido o depoimento pessoal do autor (fls. 288/289) e do representante legal da empresa ré (fls. 290/291), assim como foram ouvidas quer uma testemunha dos autores (fls. 292/293), quer uma testemunha da requerida (fls. 294/295), havendo, contudo, a desistência da oitiva de Maria José Valadares, testemunha requerida pela ré; (v.) foi dispensado o oferecimento de memoriais, reiterando as partes suas argumentações prévias.

É o relatório. Decido. Inicialmente, cumpre observar que a preliminar ao mérito, foi objeto de apreciação e rejeição em sede de decisão interlocutória fixadora dos pontos controvertidos da demanda, conforme se depreende a fls. 264/265, ora reiterada integralmente Sobreleva acrescentar, por oportuno, que inexistiu
interposição recursal diante de indigitado afastamento, o que dá azo à denominada eficácia preclusiva da coisa julgada material. (Nesse sentido, Barbosa Moreira, Estudos de Processo Civil- Terceira Série, São Paulo, Ed. Saraiva, 1992).

Ao mérito, pois. Por proêmio, emerge como fato incontroverso, a existência de relação de consumo, o que dá azo à inserção da teoria do risco do empreendimento do fornecedor, ínsita à sua responsabilidade objetiva. (Nesse sentido, Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Revista dos Tribunais, 4ª. ed, 2002). Ademais, cumpre não olvidar a inserção do princípio da boa-fé objetiva, que impõe deveres anexos ou laterais de lealdade, ampla informação e esclarecimentos ao hipossuficiente técnico presumido, desde a fase pré-contratual, nomeadamente tendo em vista que seu não implemento adequado poderá influir no motivo determinante da contratação.

Nesse contexto, referido princípio, ora erigido ao status de efetiva cláusula geral, apresenta funções de extrema relevância, nas searas interpretativa, supletiva e corretiva. (Nesse sentido, António Menezes Cordeiro, Da boa-fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1999. No mesmo diapasão, segue o importante Enunciado n. 26, das Jornadas de Direito Civil-I, organizadas pelo Conselho da Justiça Federal).

In casu, esta última apresenta efetiva subsunção ao conflito de interesses em análise, na medida em que, permite ao magistrado o controle de cláusulas abusivas, restaurando o equilíbrio contratual, quando desvelada vantagem exagerada em detrimento do consumidor.

Ora, no caso em testilha, o prazo de tolerância de 180 (cento oitenta dias), para fins de entrega da obra, sem quaisquer efeitos moratórios ao credor, consubstanciado em premissa ínsita aos contratos de adesão, ou seja, no take it or leave it, naturalmente revela imposição paradoxal com o risco do empreendimento exercido e princípio da prevenção ínsito à responsabilidade civil moderna.

Em suma, carreia-se um ônus ao consumidor, sem qualquer contrapartida equânime, o que propicia a aplicação da função corretiva alhures mencionada. Ademais, neste conflito de interesses, as razões elencadas pela ré, como excludentes do fato do fornecedor, revelaram-se inconvincentes, porquanto ínsitas ao risco da atividade empreendida, que imporia a tomada de medidas preventivas visando elidir dano-evento a terceiros. (Nesse sentido, Le Tourneau e Cadiet, Droit de la Responsabilité, p. 3, Dalloz, Paris, 1998).

Por via de conseqüência, trata-se do denominado fortuito interno inescusável perante o consumidor, o que dá azo ao fato do fornecedor. (Nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo, Ed. Atlas, 2010).

Sobreleva acrescentar, por oportuno, que a ré, inclusive, ultrapassou o próprio prazo de tolerância unilateralmente fixado, sem qualquer escusa convincente, o que robustece o denominado fato do fornecedor, frustrando justas expectativas dos autores.

Para tanto, cumpre não olvidar, à luz da teoria da causalidade adequada e mora correlata, que esta adveio primeiramente do credor, de modo que a postura sucessiva dos suplicantes, não se revestiu de nenhuma ilegitimidade na seara do sinalagma contratual. Ademais, cumpre acrescentar, diante da conduta da ré, efetiva vulneração do princípio da confiança, corolário da boa-fé objetiva que deve reger relações jurídicas deste jaez. (Nesse sentido, Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts, C. H. Beck Verlag, 13ª ed, München, 1997).

Desse modo, a vulneração do referido princípio e deveres anexos correlatos, por si só, já configura hipótese de inadimplemento, conforme preconiza o Enunciado n. 24 da Jornada de Direito Civil I, organizada pelo Conselho da Justiça Federal. Patente, pois, a inviabilidade da ré arvorar-se do status de credora adimplente, impondo ao consumidor, mesmo à luz de retardamento inescusável, quantum debeatur, consentâneo com
hipótese de implemento integral de sua obrigação. 

De fato, em adoção dos ditames da teoria da causalidade adequada, plenamente aplicável na seara da responsabilidade civil, a conduta da ré e seu inadimplemento inicial, foram a causa eficiente dos danos relatados, sem prejuízo de que procedeu à exigibilidade de quantum sem qualquer contrapartida imponível, o que robustece a justa recusa dos suplicantes, bem como a tutela concedida, suspendendo o indexador correlato.

Evidente, por outro lado, que muito embora inexigível o quantum na forma aduzida pela ré, a reposição do valor real da moeda no período, é medida de rigor, com o escopo de elidir o enriquecimento sem causa.
Neste passo, afigura-se legítima a imposição do indexador IPCA, mais amplo que o IPC, porquanto abarca todas as rendas familiares. Muito embora inaplicável o INCC, à luz das considerações retro expendidas, também não prospera a pretensão dos suplicantes na inserção do IGP-M, naturalmente consentâneo com reajuste de aluguéis, o que não se coaduna com este conflito de interesses.

Desse modo, conquanto acolhidos os demais pedidos, o reajuste das parcelas obedecerá o indexador IPCA, visando elidir o enriquecimento sem causa, nomeadamente tendo em vista que a reposição do valor real da moeda, não é um plus, mas efetiva medida que elide os efeitos que promanam do escamoteamento do valor real da moeda.

Por via de conseqüência, apenas neste ponto, haverá sucumbência mínima dos autores. Tecidas referidas digressões, em cotejo com o fato novo concernente à efetiva obtenção do financiamento, há prova robusta da verossimilhança acerca da almejada entrega das chaves, subsistindo cobrança do valor da reposição ora fixada, após o trânsito em julgado da sentença.

Nesse contexto, impende ressaltar, outrossim, que a indenização por danos materiais, comporta acolhimento, na medida em que, efetivamente privados de moradia e fruição correlata, o arbitramento de valor equivalente a um aluguel mensal, até efetiva entrega das chaves, comporta acolhimento. Por outro lado, cumpre anotar que o quantum debeatur, indicado pelos autores e, efetivamente, impugnado pela ré, impõe a
consecução de sua aferição em sede de liquidação por arbitramento. 

No que concerne ao dano moral, este é incontroverso. Deveras, o fato do fornecedor, na seara de atraso
inescusável, ensejou lesão ao arquétipo do direito geral de personalidade dos suplicantes. (Nesse sentido, Capelo de Sousa, O Direito geral de personalidade, Coimbra, 1998). Com efeito, os suplicantes agendaram núpcias, levando em conta a justa expectativa gerada no âmbito da boa-fé objetiva, no que se refere à entrega pontual da obra. Evidente, pois, que o retardamento inescusável, gerou perturbação psíquica intensa, superadora dos meros aborrecimentos ínsitos à vida quotidiana.

De fato, além de não poderem exercer o direito à moradia no imóvel, não puderam fruir os presentes recebidos por ocasião das núpcias, efetivamente amontoados, além de subsistir residência na casa dos sogros, como arremedo da situação, o que delineia frustração constrangedora.

Patente, pois, o an debeatur. Tecidas referidas digressões, cumpre mensurar o dano. Para tanto, há que se sopesar a conduta das partes, a intensidade e duração do dano, bem como o denominado valor desestímulo, destinado a dissuadir o ofensor de igual prática no futuro, no âmbito do princípio da prevenção, manifestamente inconfundível com os punitive damages, tendo em vista a natureza compensatória do instituto. (Nesse sentido, Le Tourneau e Cadiet, Droit de la responsabilité, Paris, Dalloz, 1998).

Cotejando referidos requisitos, com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, fixo o dano moral em R$15.000,00, para cada um dos autores.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a ação proposta, e, por via de conseqüência, amplio os efeitos da tutela, determinando a efetiva entrega das chaves do imóvel aos autores, em contrapartida à disponibilidade do financiamento obtido. Fixo, para tanto, o prazo de até 15 dias, sob pena de multa diária de R$500,00.

Outrossim, declaro a inexigibilidade do indexador INCC, aplicando-se, in casu, por outro lado, o IPCA, visando reposição do valor real da moeda, não se afigurando, no entanto, como condição de procedibilidade para a entrega das chaves.

Ademais, condeno a suplicada na seara do dano material, no valor equivalente a um aluguel mensal, desde a data da imponível entrega do bem, desconsiderando-se a tolerância de 180 dias, até a efetiva entrega das chaves. Referido montante será aferido em sede de liquidação por arbitramento.

Por derradeiro, condeno a suplicada na seara do dano moral, no pagamento do montante de R$30.000,00, devidamente corrigido desde o ajuizamento, acrescendo-se juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação.

Diante da sucumbência mínima sofrida pelos autores, carreio à ré, a integralidade do pagamento de custas e despesas processuais, sem prejuízo de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação corrigida e acrescida de encargos. P.R.I".

VINÍCIUS MARCH é advogado dos consumidores no caso em comento, para saber mais, envie e-mail clicando aqui.

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